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Insegurança jurídica: o Direito do Trabalho e a prova da OAB

Controvérsia em torno de questão evidencia, de forma emblemática e inequívoca, efeitos práticos da insegurança jurídica.

O problema da (in)segurança jurídica não é novo, sendo apontado frequentemente por empresários como um dos problemas estruturais do Brasil e constante objeto de debate. O próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, declarou que existem três áreas no Brasil onde é preciso reconhecer a insegurança jurídica e atuar para equalizá-las: trabalhista, tributária e da saúde.

A recente queda de braço entre a Justiça do Trabalho e o STF no tocante às ações relativas à pejotização e o ajuizamento de reclamações é mais um capítulo da saga. Um outro sintoma dessa insegurança jurídica do direito trabalhista se deu no último exame prático-profissional de Direito do Trabalho da 2ª Fase do 43° Exame de Ordem da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A prova da OAB foi duramente criticada nas redes sociais não apenas por estudantes, como por bacharéis e professores que alegavam existir mais de uma resposta possível. O enunciado da questão assim dispunha:

“A Sra. Celina Macedo o(a) procurou em seu escritório, como advogado(a), desesperada porque a sua aposentadoria, no valor de um salário mínimo, havia sido totalmente bloqueada naquele dia para o pagamento de uma dívida trabalhista no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). O gerente do banco, para quem Celina imediatamente ligou, disse que o bloqueio ocorrera por ordem do Juiz da 220ª Vara do Trabalho de Campo Grande, nos autos da reclamação trabalhista 0100929-76.2019.5.24.0220.

Tendo o número do processo em mãos, você buscou informações públicas no site do Tribunal Regional do Trabalho e verificou que a ação foi proposta contra Celina Macedo. Logo após a confirmação do bloqueio da aposentadoria, de valor muito inferior ao débito, a exequente Ana Lucena requereu a penhora do imóvel em que Celina Macedo reside. Já consta despacho com deferimento e determinação para a expedição de mandado de penhora e avaliação, o que deixou Celina ainda mais apreensiva, pois é o único bem que possui, deixado por herança de sua falecida mãe, onde atualmente reside com seus cinco filhos menores, conforme as contas de água e luz que apresentou. Na mais otimista hipótese, segundo disse, o modesto imóvel vale R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). Sem o valor da aposentadoria, único rendimento familiar, ela afirmou, convictamente, que sua família passará por dificuldades seríssimas e que, talvez, não tenha como se alimentar.

Celina disse que jamais recebeu comunicado ou chamado da justiça, sendo surpreendida com o bloqueio. Além disso, ela confirmou que, no início de 2019, a exequente Ana Lucena trabalhou em sua residência como empregada doméstica. Ocorre que, após cinco meses de trabalho, Ana Lucena desapareceu e nunca mais deu notícias.

Pelas informações que você acessou no acompanhamento processual, houve tentativa de citação com a justificativa “não localizado o endereço”, sendo que o endereço estava correto, coincidente com aquele estampado nas contas de água e luz exibidas por Celina Macedo. Diante da informação dos Correios, o Juiz determinou a citação por edital mas, considerando que Celina Macedo não compareceu à audiência, foi aplicada a revelia e confissão em desfavor dela. A condenação transitou em julgado em fevereiro de 2020 e algumas tentativas de execução de Celina Macedo foram feitas, sem sucesso, tendo Ana Lucena abandonado o processo, mesmo intimada pessoalmente em julho de 2020 para dar prosseguimento a ele.

Em junho de 2024, um novo advogado se apresentou para defender o seu interesse, requereu a juntada de substabelecimento e o bloqueio de qualquer valor ou benefício previdenciário de Celina Macedo, o que foi acatado sem qualquer fundamentação jurídica, com início da constrição dos seus bens e direitos.

Considerando os fatos narrados, elabore a medida processual que permita a defesa global dos interesses de sua cliente Celina Macedo, sabendo-se que a condição financeira dela tornará impossível a garantia integral do juízo.”

O gabarito oficial estabelecia que a peça a ser formulada era uma exceção de pré-executividade. Tal instrumento é uma forma atípica de defesa, que não possui regulamentação legal, mas é aceita pela doutrina e pela jurisprudência. O próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) possui menções ao instrumento, tanto na Súmula 397, como no Tema 144.  Considerando que na questão formulada, a citação foi nula/inexistente, nos termos do art. 803, II do CPC, estar-se-ia diante de uma matéria de ordem pública, sendo cabível a exceção de pré-executividade.

Ocorre que o agravo de petição, previsto no art. 897 da CLT, também pode ser utilizado para discussões de matérias de ordem pública que, a priori¸ podem ser conhecidas de ofício e a qualquer tempo processual. Essa construção, assim como o cabimento de exceção de pré-executividade, não encontra respaldo na letra fria da lei, sendo uma construção doutrinária e jurisprudencial.

Agravando a situação, embora a Constituição Federal estabeleça que compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I), parece existir uma prática de processo do trabalho estadual. Apesar de brincadeira, tal afirmação não deixa de ter um pé na realidade.

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4) possui orientação jurisprudencial defendendo o cabimento de embargos à execução, ainda que com garantia parcial da execução, caso a parte embargante não tenha recursos e pretenda discutir a validade da penhora. Nessa perspectiva, considerando que na questão da prova também se discutia a validade da penhora da aposentadoria e do imóvel caracterizado como bem de família. Assim, pela OJ do TRT4, também seriam cabíveis embargos à execução.

Os estudantes pleiteiam nas redes sociais que os embargos à execução também sejam aceitos como resposta. A OAB informou que um gabarito alternativo será divulgado em breve.

A controvérsia em torno da prova evidencia, de forma emblemática e inequívoca, os efeitos práticos da insegurança jurídica no Direito do Trabalho. Quando até mesmo candidatos, professores e operadores do Direito divergem quanto à peça processual adequada diante de uma situação concreta — e plausivelmente amparada por múltiplas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais —, revela-se um sistema que carece de maior previsibilidade, uniformidade e estabilidade.